Você escolhe ou é escolhido? A dança das cadeiras em conselhos

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É nesta época que acontecem as assembleias de grande parte das companhias abertas para reconduzir membros de conselhos de administração ou trocar algumas posições.

Somente nos últimos dias várias matérias rechearam os veículos de comunicação #Valor #G1 etc.

Aconteceu também, recentemente, o evento de lançamento do grupo de empresas familiares do Women Corporate Directors. Nos EUA ele é chamado de Peer Group of family Business. Como membro da comissão de empresas familiares do IBGC pelo 5o ano consecutivo e membro do WCD, participo também do peer group.

Foi muito inspirador ouvir as histórias de entrada de alguns membros de famílias empresárias do gênero feminino nos conselhos de seus respectivos negócios. Como também há histórias daquelas que contribuem também com conselhos de outros negócios, o que é excelente.

A minha história como membro de família empresária, ex-VP por 20 anos do negócio familiar e depois membro do conselho consultivo por algum tempo, remete a muitos dos desafios de grande parte das histórias que ouço.

Na caminhada que trilhei, primeiro trabalhei em algumas empresas e depois de 10 anos decidi finalmente me unir ao negócio familiar.

Lembrando da época na qual eu buscava oportunidades em empresas, companhias grandes ou médias, era de conhecimento, apesar de algumas dúvidas e inseguranças, quais seriam os passos que a empresa seguiria depois que enviássemos o tal “curriculum vitae“.

Certa vez concorri para uma vaga de “engenheira de compras” na antiga Astra, antes da fusão com a Zeneca (trabalhei depois da fusão também). Em uma das etapas de seleção, a dinâmica em grupo, éramos em 10 candidatos, 9 homens e somente eu de mulher. Lá estava a minha futura chefe (pessoa que tenho um carinho enorme até hoje) e a representante do RH. Me lembro como se fosse hoje de uma das perguntas que foi feita: “Ao se deparar com o oferecimento de propina o que você faria?”. Eu fui a última a responder. Todos, sem exceção, responderam que negariam veementemente receber qualquer favorecimento.

Eu não via a hora de chegar a minha vez. Já tendo atuado do outro lado do balcão, como vendedora de componentes eletrônicos, antes de entrar na engenharia, sabia bem como atuavam os compradores na época. E também por 6 anos na área de infraestrutura, já formada, acompanhando o fechamento de contratos de grande porte no setor de óleo & gás. Na minha vez eu respondi que tudo dependeria da atitude do comprador. Geralmente, é ele quem pede o favorecimento para fechar o pedido. E não o contrário.

Esta história já tem quase 30 anos, mas apenas ilustra o quanto a mudança faz parte da reinvenção de uma carreira. O processo hoje para o conselheiro fazer parte de um colegiado nada se parece com os processos de recrutamento de executivos. E, por isso, os movimentos para ajudar quem quer iniciar em conselhos não parecem ser muito eficazes, a não ser para dar visibilidade aos postulantes. Depende 99% da pessoa. Depende de todas as escolhas de vida que ele ou ela fizeram antes de decidir atuar como membros de conselho.

Cada caso é único e observar a trajetória de quem está ou assume posição em conselhos é algo que me intriga e aguça a curiosidade. Além, obviamente, de eu ter total interesse em entender os mecanismos.

Algo que me espanta e que em toda a oportunidade que tenho ao conhecer alguém que está em conselho eu lanço a pergunta ou, quando entrevisto os presidentes de conselho para compor a carta de abertura dos relatórios de sustentabilidade que desenvolvemos pela Bridge3, já fiz a pergunta também, a depender do caso, sobre qual o número de conselhos que um conselheiro “pode” ou “consegue” absorver simultaneamente.

Segundo um proeminente PCA que entrevistei ano passado e que hoje, infelizmente, está doente e não conseguiu conceder a entrevista para o relatório da mesma companhia deste ano, ele teve que abrir mão da presidência de um conselho, pois segundo uma regra imposta pelo acionista europeu, um membro de conselho pode ter assento em até 3 conselhos ao mesmo tempo, sendo que a presidência do conselho conta como 2 posições. Esta foi a minha hora do “bingo”. Precisamos de algo parecido por aqui.

É altamente arriscado para a companhia que escolheu um conselheiro com o pressuposto de que ele terá disponibilidade para comparecer às reuniões, para analisar os documentos, para interagir com os demais membros do conselho fora das reuniões também, assim como, desde que siga o protocolo, interagir com as áreas da companhia para conhecer a fundo o que os documentos mostram, se deparar com um conselheiro que acumulou mais de 3 ou 4 posições.

Entretanto, o que mais vemos são conselheiros orgulhosos mostrando o número de conselhos e/ou comitês assumidos ao mesmo tempo. E o #Linkedin está aqui para atestar este fato.

Neste sentido, comentei com um outro presidente de conselho sobre esta preocupação e ele me disse que, em uma determinada reunião de conselho, uma conselheira que ocupava 9 posições em conselho, chegou para a reunião com informações preparadas para outra companhia e não aquela na qual estavam. Não é difícil imaginar o constrangimento dela e dos presentes.

Refletir sobre alguns dos vieses comportamentais, como o tal “efeito de manada” é algo a ser considerado, antes da tomada de decisão sobre qual a pessoa a ser indicada para compor um colegiado.

Um dos primeiros livros que mergulhei a fundo em paralelo às formações para conselheiro e o qual indico fortemente a todos que querem adentrar a área é o “A Caixa-preta da governança”, de autoria de Sandra Guerra, pessoa que atua na área há muitos anos, pioneira e com a qual tenho uma especial ligação. Tive o prazer de ter viabilizado a edição do livro dela em língua inglesa pela prestigiosa editora Taylor & Francis. O livro mostra os vieses comportamentais que rondam os colegiados, como reconhecê-los e como lidar com eles.

Mais do que hard e soft skills, a somatória, os Human Skills são necessários para quem almeja ser conselheiro.

As questões de gênero, étnica e das diversidades em geral ainda precisam evoluir muito para acrescentar uma boa variedade de experiências, visões e, por que não, ideias que venham de outros setores, diferentes daquelas trazidas por um colegiado homogêneo e atuante no mesmo setor há muitos anos. A inovação por vezes vem de onde menos se espera.

E como fica o Brasil quando comparado a outros países da América Latina no quesito diversidade de gênero?

Segundo o Relatório da Page Executive: “Board Members Latam 23/24”:

Do relatório da Page Executive “Board Members Latam 23/24”.

O que mostra que o Brasil avançou em relação aos anos anteriores, mas ainda está bastante aquém de países como a Colômbia e o Panamá.

Nesta mesma pesquisa há outro dado bastante interessante e que me remete ao que ouvi de 2 conselheiros que estão em colegiados internacionais, durante uma discussão em sala de aula. Ambos não consideram importante ter alguém no conselho que entenda de ESG. Aquele depoimento e vindo de 2 pessoas diferentes me deixou bastante intrigada. Não é o que a maioria dos conselheiros acredita:

Do relatório da Page Executive “Board Members 23/24”

Este resultado coincide com a tendência atual da necessária integração das áreas de compliance, riscos, auditoria e ESG. A gestão deve ser única. Um único mapa de riscos corporativos que contemple todos os riscos. As áreas trabalhando juntas para mapear as oportunidades também.

E, cada vez mais, as companhias abertas, depois da CVM 193/23, a qual adotou de forma regulada no Brasil as normas S1 e S2 do IFRS, de forma voluntária em 2024, mas obrigatória a partir do exercício fiscal de 2026, as informações financeiras e não-financeiras precisam ser conectadas, o que reforça a necessária integração do GRC+ESG.

O relatório da Page finaliza falando que, cada vez mais, a tendência será que os conselheiros sejam selecionados não mais por indicação, mas por processos de seleção estruturados. Estarão eles enviesados? Pode ser, mas os ventos da mudança não param de soprar.

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